O MATINÉ DAS TRÊS
Domingo a tarde....jogo no Marcílio...ou matinê das três, a preferência era o matinê das três com uma passadinha no Marcílio depois, dava para ver o final e os portões já estariam abertos.......
Ah! O matinê das três... o filme, “O último por do sol” um faroeste daqueles, a nossa preferência. Lá íamos nós, bem cedinho, carregados de “gibis” embaixo do braço para serem trocados por outros não lidos.
Porém o matinê das três não se resumia somente ao filme, mas tinha o Jornal, com os gols do campeonato Carioca, onde todos vibravam apesar de já saber o resultado, pois o jogo tinha ocorrido a uma semana atrás.....e o seriado, ... no último capítulo o mocinho estava amarrado sobre os trilhos do trem que se aproximava a toda velocidade.....como será que ele tinha se livrado,......tinha sido um dos comentários da semana, com muitos palpites e discussões.
Para comprar ingresso as filas, - ei! não pode furar a fila....cuida seu tanso!....ei! não pode comprar a entrada para o outro, cada um compra a sua.
As filas eram os lugares de comerciar os gibis (revistas em quadrinhos) - eu troco um Zorro novinho por dois Fantasmas..... se quiser...já me ofereceram três, mas um era do Capitão América, que eu já tinha lido. – espera para trocar com o Batata (e os apelidos?) , ele tem os mais novos.
Olha o torradinho! ... põe uma canequinha...não vale põe de novo, tu colocastes o dedo dentro da canequinha..., não quero mais e devolvia para a lata, vou esperar o Lagarto , ele é mais honesto e ainda dá a gorgetinha.
Balas.... na bombonieri da frente do cinema, aquela de dentro é muito cara ..... compra bala “Dea”ou de amendoim, a “bala 15”.
Um pequeno alarido... atenção abriu a bilheteria, uma estudante...não pede meia senão aquela bilheteira gozadora manda tu comprar na Casa Jorge. Quem será o porteiro... ih ! é aquele que já vai avisando, hoje eu ponho uns dez para a rua, aqueles que não se comportavam....no escuro duvido ele me descobrir, mas cuidado ele tem o ouvido fino.
Apagam-se as luzes, gritos assobios, batidas de pé......começa o jornal....o filme.....a torcida pelo mocinho....o seriado......THE END.......
A VOZ DO ESTUDANTE
No final dos anos cinqüenta, até a metade dos anos sessenta, na nossa Itajaí, após terminar o curso ginasial (o correspondente hoje ao ensino fundamental) os meninos e meninas com idades de 14 ou mais anos tinham as opções. Para as meninas fazer o curso Normal no Colégio São José ou o Regional no Colégio Victor Meirelles, cursos que formavam as professoras para o curso primário, correspondente hoje as primeiras séries do ensino fundamental. Para os meninos fazer contabilidade na Escola Técnica de Comércio de Itajaí, a escola do Professor Morisco, que funcionava no período noturno anexo ao Colégio Estadual Victor Meirelles, ou migrar de sua terra para fazer o curso Cientifico que dava o conhecimento para as ciências exatas e biológicas, específicas para as carreiras de engenharia ou das áreas da saúde, ou curso Clássico voltado para as Ciências Humanas.
Lá íamos nós para Blumenau, Florianópolis, Curitiba ou até para o Rio de Janeiro.
Aqui ficavam a família, as namoradinhas, alguns amigos, que depois de formados em contabilidade aventuravam um concurso para o Banco do Brasil, o grande emprego da época, ou uma vaga no Banco INCO – Banco Indústria e Comércio de Santa Catarina. - na matiz, que ficava aqui em Itajaí. Na segunda metade dos anos sessenta o Colégio Salesiano implantou o curso cientifico. Curso Superior nem pensar só nas grandes capitais,
Porém um grupo de estudantes da nossa Itajaí, não se conformava, nem se acomodava com esta situação. Associados a UNIÂO DOS ESTUDANTES SECUNDARIOS DE ITAJAÍ, a nossa UESI, como era conhecida e merecedora de um artigo, que espero em breve poder escrever, com ajuda dos presidentes eleitos, na mais pura aula de democracia e cidadania, o Valdir João da Silva, o Dalton Melin, o diretor deste O JORNAL, Antonio Carlos Campos e Silva, o Toninho da UESI.
Nossas lutas estudantis, pelo meio ingresso do cinema, por uma biblioteca pública, por mais cursos para a cidade e por uma Universidade, Não pintávamos as caras, insuflados por meios de comunicação, não invadíamos reitorias ou órgãos públicos, nossa arma era a voz, através de um programa radiofônico, que ia ao ar na nossa Radio Difusora de Itajaí.
Tudo começava assim:
– A ZYK 9, Radio Difusora de Itajaí, transmitindo em 1530 quilociclos, leva ao ar............ A VOZ DO ESTUDANTE.........Meu Brasil, meu Brasil brasileiro....aquarela do Brasil, era a música prefixo do nosso programa........e com voz locução amadora, porém muito bem ensaiada e cheia de entusiasmo “ COM MAIS AMOR A JUVENTUDE; COM MAIS CONSCIÊNCIA DO DEVER CUMPRIDO; COM MAIS INTERESSE PELAS CAUSAS ESTUDANTIS, A UNIÃO DOS ESTUDANTES SECUNDÁRIOS DE ITAJAÍ, APRESENTA A VOZ DO ESTUDANTES”. Este era o prefixo do nosso programa, aí começavam as reivindicações pelas melhores condições de ensino para os jovens de Itajaí, da turma do meu tempo.....aí se plantou a primeira semente para o ensino superior que tanto enobrece a nossa Itajaí.
O BAILE DA PRIMAVERA.
Início de setembro, os convites começavam a circular pela cidade, só para sócios; Grande Baile de Primavera do Clube Caça e Tiro Vasconcelos Drumond. (Ali nos Atiradores, no final da Rua Uruguai, perto da Univali).
As turmas começavam a se assanhar: os não sócios a preocupação de como conseguir um convite, para não pagar ingresso ou por um preço mais barato; Com as garotas e namoradinhas, quais iriam, será que acompanhadas dos pais ou com as tias ou o irmão mais velho; Outros eram com o traje terno e gravata, isso era fundamental, mas com a cor, para não ser o mesmo do baile anterior, com o que estava na moda, a camisa e o sapato enfim a aparência. Para tudo tinha um jeito, troca de ternos com amigos, empréstimos de tios, pais. (Não havia lojas de aluguel de trajes como nos nossos dias). Sapatos passados uma tinta e lustrados lá na engraxataria Brasil, do seu Totinha Dauer, ou por um engraxate daqueles ali da
- “ Sem sujar a meia, bota o papelãzinho senão não pago”.
Aquela turma tinha até condução, iriam com um amigo que tinha um Prefect, o carrinho importado da Inglaterra, fabricado pela Ford. Eram cinco, o carro era para quatro passageiros, mas com um jeitinho, todos iriam, afinal chegar de carro era outra coisa.
Dia do baile, sábado a noite, após um dia quente para aquela época do ano, lá estavam os cinco nos Atiradores. Ao som dos Foliões, com a maestria do seu Calixto e seu trompete, o baile se desenrolava que era uma maravilha. Nas mesas, cubas-libres, gins-tonicas, HIFI (Crush com rum Merino), e outra misturas, alem de algumas faixas azuis, ali de Joinville.
Lá pelas três horas da manha, uma trovoada daquelas, era água que não acabava mais, luzes apagadas, baile terminado. A maioria foi saindo, táxis, carros particulares, foram levando os dançarinos. Nossos heróis, nem preocupados, o Prefect, lhes esperava, assim que a chuva ficasse menos intensa, iriam para casa. Mais um HIFI, mais um gin tonica, mais uma faixa, e assim aguardavam. Vendo que a chuva já não era tão forte, contas pagas, despedida dos garçons, pois era fundamental ser amigo, pois nunca se sabe, num aperto, amigo era amigo.
Todos embarcados no Prefect, desciam a Rua Uruguai em direção a Rua Brusque. Após o cruzamento com a estrada de ferro, ( hoje a Contorno Sul) a rua estava toda alagada, o motorista, não percebendo adentrou a água, distribuidor do Prefect molhado, carro parado no meio da água. E agora, para ajudar a chuva voltara mais forte. Ruas as escuras, faróis do veículo desligados, para não gastar a bateria, só sobrava esperar ou descer e empurrar, Após o clarão de um relâmpago, um vulto de alguém que se abrigara em uma porta de uma casa comercial mais ali a frente.
- Olha lá, tem um cara na porta daquela venda, será que ele não dá uma ajuda?
Carro empurrado até mais perto, tirado de dentro da água, aborda-se o cidadão;
- Ei amigo, esse carro não que pegar, será que o amigo entende um pouco, e pode nos dar uma mãozinha?
- Eu vou na direção, e vocês empurram. Trato feito, trato cumprido, o amigo na direção e os cinco heróis empurrando, pega não pega, empurra mais um pouco que agora pega, já enxugou.
- Mais uma empurradinha. E já no meio da rua Brusque, nada do carro pegar. Desce o amigo;
- Sinto muito, mas não pega, pra mim ta bom aqui, pois moro aqui pertinho, bom dia pra vocês.
Nossos heróis molhados até os ossos, com frio, olharam um para o outro, e fizeram um juramento de não contar nada para ninguém, para não passarem por otários. Ma como em Itajaí tudo se descobre......ai foi o Baile de Primavera.
O CAMPO DA AVIAÇÃO
Ficava lá na Rua Blumenau, para nós que morávamos nela, e perto dele, era um dos nossos lugares preferido para ir nos dias de folga...sentados sobre o muro, que era baixo, esperávamos a hora que os aviações da Varig, da Cruzeiro do Sul ou da Real pousarem.
Eram os Douglas DC 3 e os Convair 240, e deles os passageiros e a tripulação desciam, os aviadores com suas fardas azuis cheias de dourados e o quepe branco as aeromoças com suas saias azuis e suas blusas brancas e as boina azuis. Logo após abriam o porta mala e em um carrinho empurrado por funcionários do aeroporto eram colocadas as malas e as bagagens e levadas para a área de embarque e desembarque, com seus arcos frontais, e a sua cor creme onde ficavam os balcões das empresa e o restaurante.
As vezes éramos convidados a entrar em algum avião, e recebíamos de presente as bandejas com os lanches que eram servidos a bordo, podíamos ver os painéis cheios de relógios e alavancas esquisitas, e na nossa cabeça de meninos da Rua Blumenau, logo passava a idéia de um dia sermos pilotos também.
Nas conversas sobre aviões achávamos que éramos os mais bem informados, ora..... morávamos perto do campo de aviação!
O aeroclube, um galpão de madeira pintado de cinza, ficava ao lado direito de quem chegava no aeroporto, servia de sede e de hangar, onde eram guardados os Teco-tecos, amarelinhos, cujos motores eram postos em movimento quando alguém manualmente fazia rodar a hélice de madeira, e lá se ia ele ao trancos e solavancos pela pista irregular, de barro batido, fazendo uma nuvem de poeira. Era alguém que ia aprender a pilotar, e no dia da formatura tinha que tomar um banho de óleo queimado, ou levando alguém com tosse comprida muito forte, diziam que o ar das alturas curava a tosse.
A esquerda ficava uma pequena casa toda cercada de antenas, de onde saiam muitos fios, lá ficava o sistema de radiocomunicação, que comandava um farol luminoso rotativo, que a noite quando era ligado emitia uma luz que pareciam relâmpagos. - Dona Irinéia uma vizinha da casa da minha avó, que a pouco tempo tinha mudado de Tijucas para lá, todo dia ia para a janela e punha a se benzer, pensando que era trovoada mesmo com o céu estrelado.
Nos casos excepcionais algum helicóptero descia no campo da aviação, como na enchente de Brusque, veio para prestar socorro, e ficava guardado por um policial que nos afastava do aparelho – sai daí menino, sai de perto do “ eleotéro”, ele não sabia dizer helicóptero, para nós era uma risada só. Cada um que chegava aconselhávamos a ir ver o aparelho de perto só para escutar o policial afastando-o do “ eleotéro”.
Os carros tanques amarelos da Shell abasteciam os aviões, e após os passageiros embarcados retiravam a escada, uma grande bateria era colocada embaixo da asa, os motores giravam, retiravam a bateria e ele ia embora,.... e nós meninos da Rua Blumenau ficávamos olhando-o correr na pista e subir, nos imaginando no lugar do piloto.......
A FILHA DO CORONEL
Ora quem não se lembra do Crystal Lanches, ali na Rua Hercílio Luz, (desculpem, mas a pergunta e para aqueles dos anos 60 e 70). Ponto de lanches, refeições, cervejinhas e daquele vinho Liebefraumilch geladinho, com um bom bate papo entre amigos. Era ponto obrigatório dos finais de semana. Quem não se lembra do proprietário, o seu Chico, e dos garçons, o Cláudio e o Garrincha. Do mictório a porta era livre, mas do vaso sanitário, a porta era fechada, em casos de urgência a chave deveria ser solicitada aos garçons, quem ousava o melhor era diretamente no balcão, com a máxima discrição.
Bem uma sexta feira, lá pelos anos 67 ou 68, em pleno ferrolho da ditadura, onde até recruta era autoridade bastava usar farda o respeito se impunha. O Crystal estava cheio, principalmente por funcionários do Banco INCO, nosso Banco Indústria e Comércio de Santa Catarina, orgulho de nós Itajaienses, que no dia seguinte sábado não tinham expediente e esticavam um pouco mais, alguns, outros já eram fregueses de todos os dias.
Lá pelas 22 horas, irrompe pela rua Hercílio Luz, que não era calçadão em mão única uma camionete cabine dupla, de cor verde oliva, ostentando o símbolo do Exército Brasileiro nas portas. Para na frente do Crystal e dela descem um cabo, o motorista, que corre para abrir a outra porta de onde descem um oficial fardado e uma jovem.
Dirigem-se para o Cristal, para fazer um lanche ou refeição, até hoje não sei. A melhor mesa foi despejada, copos na mão, freqüentadores de pé ou para o balcão, toalha trocada e os três novos clientes sentados. Todos os olhares discretamente se voltam para os novos freqüentadores. Com a costumeira atenção dirige-se um garção, para o atendimento acompanhado do cardápio, que é distribuído para a escolha. A senhorita que acompanha os militares, chama discretamente o garção e lhe sussurra alguma coisa ao ouvido, este em alto e bom som, se dirige ao balcão: SAI A CHAVE DO BANHEIRO PARA A FILHA DO CORONEL, o silencio foi sepulcral, e eu fui saindo de fininho.... Se alguém sabe o final eu não sei.
O CUCO
Palmiro Fagundes da Costa Neto, rapaz de 20 anos, lageano apaixonou-se pelo mar após assistir um filme de piratas. Até diziam que o mar era salgado e maior que qualquer lagoa ou açude, um dia ele deveria conferir. Vivia sonhando ser marinheiro, mas não em qualquer navio, mas num navio de guerra, daqueles da Marinha do Brasil.
Conhecia tudo de nós, bandeiras, sinalizações, para vê-lo feliz era só dar a ele um livro ou uma revista que falasse de coisas do mar.
- Palmiro, andar naqueles barcos, precisa ter coragem, eles balançam e causam enjôos.
- Mas bah tche! No cavalo também balança, e vê se eu enjôo? Vou juntar uns cobres, comprar uma passagem na Rex, (Auto Viação Rex, que fazia a linha Lages / Itajaí, uma vez por semana) e vou para Itajaí, lá tem uma tal de Capitania dos Portos, onde posso fazer meu alistamento.
E assim Palmiro fez umas economias, e preparou-se para a viagem.
- Antes de embarcar, vieram as recomendações, e entre elas...
- Palmiro, cuidado, aquele pessoal lá do litoral tem o costume de botar apelido nas pessoas, te cuida.
- Palmiro, cuidado, aquele pessoal lá do litoral tem o costume de botar apelido nas pessoas, te cuida.
Palmiro embarcou na Rex, e começou a traçar o plano, para não ganhar apelido... Faço tudo direitinho, não converso com ninguém, só o necessário, e fico no quarto do Hotel o tempo todo.
Chegou, alojou-se num daqueles hotéis da frente da rodoviária (ficava localizada onde é o mercado de peixes) e não saia, somente para o necessário. Durante o dia de vez em quando dava uma chegadinha na janela do quarto, muito rapidamente e se recolhia.
Tudo feito, passagem de volta comprada, dia do embarque, Palmiro desce as escadas, chega a portaria do hotel e pede a conta.
O recepcionista pede: – um momento, por favor, e em alto e bom som pede ao caixa:
- Fecha a conta do cuco, ele já vai embora.
Outra hora eu escrevo mais sobre esta criatividade que temos de apelidar as coisas e as pessoas.
A escola da Dona......
Não sei de onde herdamos, mas gostamos de identificar determinadas obras, objetos, bens públicos com o nome de pessoas que estão ou estiveram a sua frente.
As pessoas recebem junto ao nome ou apelido, o sobrenome de posse, do pai ou da mãe, do esposo ou da esposa, da empresa onde trabalha ou da atividade que exerce. Assim temos o Zé da Ni, o Tonho da Dindinha, o Alfredo da tia Ana, a Maria do Zé, a Rosa do Carlos ou o Pedro da Água, o Chiquinho do Mercado, Maneca da Prefeitura e por ai afora.
Quem não lembra as escolas de Itajaí, levavam o nome de quem as dirigia e se identificavam com a filosofia e o modo de ser de suas direções.
Se perguntassem na época onde ficava a Escola Básica Francisco de Paula Seára, poucos sabiam, mas se perguntassem onde ficava o Grupo da Dona Marlene, pronto, estava identificada. Era a escola dirigida pela Professora Marlene Dalva da Silva Rothbart, ali no Dom Bosco. Ops! Perdão, ali no Lito Seara, como era chamada a região pois lá morava o Sr. Carlos de Paula Seara ex - prefeito de Itajaí, o “ seu Lito”.
O Victor Meirelles, era o Grupo da “ Dona Loni “, dirigido pela Professora Lony Ligia Kobarg Cercal, a mais antiga escola de Itajaí, ainda na Rua Hercílio Luz. A escola da Dona Alzirinha, era o Colégio Henrique Midon, lá na Barra do Rio, dirigido pela professora Maria Alzira Gonzaga Dutra e Silva; o Colégio da Dona Diva, era o Colégio Henrique da Siva Fontes no Bairro São João, dirigido pela professora Diva Vieira Abrantes ou em Cordeiros, a escola da dona Odete, dirigido pela Professora Odete Ferreira.
Na vila Operária, o Floriano Peixoto, hoje anexado ao Colégio Nilton Kucker, era o Grupo da Dona Zilda, dirigido pela Professora Zilda Helena Deschamps Bernardes, ou o também anexado ao Nilton Kucker, o Ginásio Normal Lauro Muller, a escola da Dona Izabel, dirigido pela Professora Maria Izabel Costa, de saudosa memória, minha primeira diretora como professor.
Na Fazenda, o Ginásio Industrial do Professor Medeiros, dirigido pelo Professor José Medeiros Vieira, e o grupo da Dona Vitória, o Gaspar da Costa Moraes, dirigido pela Professora Vitoria T. da Índia Buchele F. Schaufertt .
Era assim que Itajaí tratava de maneira carinhosa e agradecida, as escolas que foram sem dúvida o marco de uma época, por onde passaram gerações de itajaienses, que construíram a cidade que hoje vivemos.
Infelizmente, por um surto de democratização irresponsável, as direções foram trocadas, e em muitos casos assumiram pessoas nada comprometidas com a educação, mas comprometidas com populismos e com politicagens.
Itajaí, muito deve as estas pessoas que deram seu nome e grande parte de suas vidas em prol da educação de nossa cidade, numa época que educar não era só repetir conteúdos, mas construir cidadões, e quando lhe perguntavam sua profissão cheio de orgulho podia ser dito: “ eu sou professor”.
Ah! ia esquecendo a escolinha da Bibiana, onde meu pai estudou....SAI DA JANELA.....
Lá pelos idos de 1960, ali onde fica o prédio novo dos correio, ficava a feira livre, que funcionava as quartas feiras, com grande movimento. Do outro lado da rua ficava o velho prédio do Colégio Salesiano de Itajaí, com suas paredes rentes a calçada, da Gil Stein Ferreira, para qual se abriam as janelas, das salas de aula, e ao fundo já na frente da travessa Dagoberto Alves Nogueira ficava a porta da capela, por onde entravam os convidados para as missas de domingos e as sessões acadêmicas e reuniões, já que sua função era dupla.
Este era o cenário,.....
Nas noites de terça-feira e madrugadas de quarta-feira, os moradores das rua Brusque e Blumenau, já estavam acostumados com o barulho das carroças de colonos, com sua toldas arredondadas e aqueles estranhos caminhões Opel ou GMC que desciam para feira, trazendo frutas e verduras da época, fresquinhas sem um pingo de agrotóxicos, ou carregadas de galinhas vivas em pequenos engradados, produtos de suínos defumados ou frescos, derivados de leite, doces de frutas e outros produtos do Brilhante, Limoeiro, de Luiz Alves, Ilhota, do Baú, e das regiões mais altas do rio Itajaí – Açu, como Pomerode, Timbó, até Rio do Sul.
Na cama ainda, já pensávamos de como seriam as aulas do dia da feira, ou planejávamos alguma para alguém assim que as aulas daquele dia terminassem lá pelo meio dia, e aquele chão ficasse apinhado dos restos de feira.
Era até engraçado..... na aula de religião, enquanto o padre falava que não devíamos acreditar no espiritismo, lá fora alguém gritava - Baixou, Baixou aquí ....o preço do aipim, ou na aula de geografia o professor interrogava de onde vieram os ameríndios, lá fora.....de Luiz Alves, de Luiz Alves a melhor farinha.
Nos divertíamos, sem poder rir, pois se risse...ao final da aula a conversa com o Pe. Conselheiro ia ser feia.
Numa quarta-feira na aula de história, lá pelas dez horas, quase na hora dos colonos começarem a ir embora ( as pessoas levantavam muito cedo para ir na feira) o barulho das galinhas sendo retiradas dos engradados, a gritaria para vender o final dos produtos....o barulho era infernal, o clérigo professor de história mandou que fechássemos todas a janelas, porém ele ao fechar a sua, olhou para a rua e muito rapidamente voltou para dentro da sala de aula e retomou a matéria, visivelmente constrangido. Este fato aguçou a nossa curiosidade, e assim que a aula acabou, nos precipitamos para a janela para ver o que tinha acontecido, e lá estava no para-choque de um caminhão ali estacionado – CURIOSA, SAI DA JANELA E VAI VER A PANELA .
EX FLUMINE MAGNETUTO MEA
Esta frase escrita no velho latim, traduzida para o bom Português – ESTE RIO É A MINHA GRANDEZA – estava inserida no brasão de armas municipais em uma faixa ou listel em azul, posta em baixo do escudo do nosso município de Itajaí.
Para nós meninos dos anos sessenta, não havia dúvida alguma, o rio era a nossa grandeza. Nossa convivência com ele era quase diária, nos banhos de rio, nas pescarias (siris, camarões, robalos, pescadas, tainhas, e até meros, sem falar nos bagres – os micheles -), nos seus atracadouros (trapiches na nossa linguagem), na balsa dos Dauer, no estaleiro do Burine, na prainha da Navita, nos trapiches da Bornhausen & Cia, o poço do mero, no porto de areia dos Neves, nas prainhas do saco da fazenda, e até em momentos de fé como nas festas de Nossa Senhora dos Navegantes.
O rio ficava próximo, pertinho de nós, nossa cidade fora construída nas suas barrancas, por onde andássemos, ele estava presente, era nosso grande amigo, comportado aqui na foz, quando enchia, era lá para Blumenau, Rio dos Sul, Brusque, aqui só la pela estrada de Brusque, nos Werner (hoje Itamirim), e la pros lado do Vassourão (hoje São Vicente). Nos últimos tempos o nosso amigo, tem se comportado de maneira estranha, o que será que esta ocorrendo com ele?
Como saber? Ah! Já sei, vamos conversar com o nosso amigo, o Rio Itajaí. Fomos procurá-lo no lugar onde o conhecemos ali na Rua Blumenau nada estava acessível, construíram paredões, puseram guardas para impedir que nos aproximássemos dele. No porto dos Neves, onde presenciava-se o mais belo por de sol de outono, tinham construído paredões e separaram o rio da cidade, só fomos encontrá-lo ali nos fundos da praça Vidal Ramos, perto da imagem de Santa Paulina. Sentei-me, olhamos um para o outro e esperei que ele me reconhecesse... Nada... Então resolvi entabular um conversa...... – Olá, boa tarde....não me conheces... sou aquele menino que brincava contigo anos atrás quando passavas ali pela rua Blumenau.... Ele olhou-me mais profundamente e respondeu-me...- Já não sou mais o mesmo daqueles tempos, envelheci, enxergo pouco, veja como minhas águas estão turvas, já não tem mais brilho nem limpidez. – Mas meu amigo, cortei a conversa, um rio não envelhece, ele renova as suas águas constantemente.
- Eu sei respondeu-me, mas quando o seu trabalho não é tão pesado. - Pensei, vou deixa-lo falar, e ouvi-lo quieto.
- É meu amiguinho, continuou aqueles foram outros tempos, bons tempos, hoje me envenenam com os dejetos industriais, me asfixiam com o óleo que derramam sobre mim, a carga de esgoto que deitam em meu leito todos os dias é muito pesada, minhas entranhas já não conseguem mais digeri-la, tudo que não serve para os homens deitam sobre mim para que eu leve até o mar.... É muito pesado este meu trabalho, até meus peixes, morreram, pasme até os micheles... os micheles morreram.
Interrompi: - e o teu filho o Mirim?
- Meu filho, o mirim, que vocês chamavam Pequeno está quase morto, sua carga de trabalho é quase a mesma minha, e ele é tão pequeno coitado.
Estava angustiado... resolvi então fazer a pergunta pela qual fui procura-lo:
- Me digas, porque tens nos apavorado ultimamente com tuas enchentes, não eras assim....o que ocorreu contigo....
Deu-me um pequeno sorriso, como se lembrara de alguma coisa boa e respondeu-me:
- Naqueles tempos eu vinha das minhas nascentes de águas cristalinas percorrendo centenas de quilômetros, colecionando histórias de pessoas anônimas, era formado também por suor dos trabalhadores e lágrimas de saudades dos colonos alemães, italianos, poloneses e de outras etnias, que vieram me habitar ,.. descia serras formando cachoeiras até chegar à foz.....ah! ...antes de abraçar o mar tinham minhas várzeas onde eu podia descansar, me espreguiçar ao sol, e vagarosamente me dissolver no oceano.
Um momento de silêncio, de repente, soprou uma lufada de vento sul, formou uma marola, e asperamente deixou sair como um lamento........hoje, aterraram parte do meu leito, ocuparam as minhas várzeas, me sufocaram, me poluíram, ainda me pedes explicações? E soluçando se dirigiu para o canal da barra cada vez mais profundo....é pensei o que fazer... ele jamais vai nos perdoar.